Nova Lei 14.011/2020 traz Inovação (Pendente de Regulamentação) para a Gestão de Imóveis Públicos com Uso de Contrato de Longo Prazo (16/10/2020) - Maciel Rocha

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Nova Lei 14.011/2020 traz Inovação (Pendente de Regulamentação) para a Gestão de Imóveis Públicos com Uso de Contrato de Longo Prazo (16/10/2020)

Por Lucas Martins Magalhães da Rocha, Talita Soares de Brito e Karine Pullig

No final de 2019, foi editada a Medida Provisória nº 915 (“MP”), cujo objeto era aprimorar os procedimentos de gestão e alienação dos imóveis de propriedade da União. Em junho de 2020, referida MP foi convertida na Lei nº 14.011.

O novo diploma normativo trouxe, entre outras inovações, a possibilidade de celebração, pela Administração Pública, com particulares, do denominado Contrato de Gestão para Ocupação de Imóveis Públicos (“Contrato de Gestão”).

Conforme o artigo 7º1, o Contrato de Gestão consiste na prestação, em um único contrato, de serviços de gerenciamento e manutenção de imóvel, incluído o fornecimento dos equipamentos, materiais e outros serviços necessários ao uso do imóvel pela Administração Pública.

Uma das características marcantes do novo regramento se encontra na permissão para que o Contrato de Gestão preveja a realização de investimentos iniciais em obras e fornecimentos pelo parceiro privado, de forma que, nessa hipótese, o contrato poderá ter duração de até 20 anos.

O escopo do Contrato de Gestão também pode incluir a elaboração dos projetos básico e executivo, o que autoriza que sua licitação seja realizada apenas com o anteprojeto de engenharia.

Como se vê, o Contrato de Gestão em muito se assemelha aos contratos de concessão de serviços públicos, notadamente as parcerias público-privadas (PPPs), na modalidade de concessão administrativa.

Assim como nas PPPs administrativas nas quais (do tipo em que) a Administração é a usuária direta dos serviços (como, por exemplo, em um projeto de centro administrativo), no Contrato de Gestão a Administração será a usuária direta e destinatária de serviços, a serem viabilizados mediante a realização de investimentos pelo parceiro privado, que serão pagos e remunerados ao longo da execução do contrato.

A conjugação dos fatores (i) investimentos realizados pelo parceiro privado no início do contrato, com (ii) pagamentos públicos diferidos no longo prazo, demonstra que o Contrato de Gestão possui estrutura jurídica e econômica semelhante às PPPs e concessões de serviços públicos, que seguem a mesma dinâmica.

Também na mesma lógica dos contratos de PPP e concessão de serviços públicos, caso o Contrato de Gestão inclua investimentos relacionados à realização de obras e o fornecimento de bens, os bens construídos e fornecidos deverão ser transferidos à propriedade do ente contratante ao final do contrato. Na prática, isto significa que tais contratos deverão trazer regras prevendo a forma de reversão dos bens transferidos e adquiridos pelo parceiro privado, bem como cláusulas tratando do pagamento de indenizações por bens não depreciados e investimentos não amortizados em caso de extinção antecipada.

Porém, a despeito de todas as semelhanças, compete destacar que o Contrato de Gestão não se confunde com a PPP administrativa, que é regulada pela Lei 11.079/04 (“Lei de PPP”). Uma diferença marcante entre as PPPs e o Contrato de Gestão reside no fato de que, enquanto a PPP pode ser aplicada para a construção e gestão de infraestrutura nova (projeto greenfield), o Contrato de Gestão é aplicável para imóveis já existentes (projeto brownfield).

Segundo a Lei nº 14.011, o Contrato de Gestão pode ser celebrado para ocupação de imóvel, sendo que as obras previstas são para adequação do imóvel para uso pela Administração Pública. Os termos utilizados na lei para descrever a hipótese de utilização do Contrato de Gestão deixam claro que o instituto é voltado para imóveis já existentes.

Prevê o parágrafo 5º, do artigo 7º, da Lei nº 14.011/2020, que “ato do Poder Executivo poderá regulamentar o disposto neste artigo.” Ocorre que, após análise do dispositivo, podemos inferir que referida regulamentação não é uma mera faculdade, uma vez que se torna indispensável para dispor sobre pontos essenciais aos futuros contratos. Neste sentido, tratando-se de contrato de longo prazo, é imprescindível que exista segurança jurídica para a implementação do respectivo projeto, que é traduzida nos predicados de previsibilidade e estabilidade.

Entende-se que a regulamentação fará bem se incorporar aos Contratos de Gestão regras importantes do microssistema legal das PPPs e concessões de serviços públicos, tais como as regras para a repartição objetiva de riscos entre as partes, previsão expressa da possibilidade de outorga de garantias públicas (que são essenciais no caso), medição de desempenho do parceiro privado, hipóteses para o término antecipado do Contrato de Gestão nos casos de interesse público e/ou descumprimento contratual por qualquer das partes, e, ainda, eventuais indenizações cabíveis.

Ainda, é importante que a regulamentação defina quais as providências orçamentárias devem ser tomadas durante a estruturação de um Contrato de Gestão, assim como é previsto no artigo 10, da Lei de PPP, de forma a assegurar que tais contratos serão estruturados com os cuidados necessários para que as despesas a serem criadas caibam no orçamento do respectivo ente público.

Outro ponto importante a ser abordado no regramento da lei diz respeito à possibilidade de exploração econômica do imóvel pelo particular, para obtenção de receitas acessórias, que podem ajudar a viabilidade do negócio, e, ao mesmo tempo, reduzir os valores a serem pagos pelo poder público. Os prós e contras desta hipótese devem ser sopesados no caso a caso.

Assim, muito embora as diretrizes para essa nova modalidade de contratação estejam traçadas, a matéria ainda carece de regulamentação, que será de grande importância para que os projetos possam ser estruturados com segurança jurídica. É verdade que, caso os pontos pendentes de regulamentação estivessem previstos em lei, isto iria beneficiar a previsibilidade e estabilidade destes contratos. A regulamentação via decreto, que pode ser alterado com maior facilidade, reduz a segurança jurídica e isto é um risco sobre o Contrato de Gestão. Inclusive, a depender da avaliação do peso deste risco no caso concreto, no limite, os responsáveis pela estruturação de um projeto de gestão de imóvel público podem optar por “empacotar” o projeto como uma PPP administrativa. Contudo, esta possibilidade dependerá do projeto em estudo e do seu enquadramento nos requisitos da Lei de PPP (tanto legais, como técnicos e econômico-financeiros).

De qualquer forma, e, observado o risco com relação à sua regulamentação, entende-se que o Contrato de Gestão pode contribuir na busca por eficiência da máquina pública, e, se bem regulamentado e utilizado, poderá ser um excelente instrumento de gestão à disposição da Administração Pública.

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1 Art. 7º A administração pública poderá celebrar contrato de gestão para ocupação de imóveis públicos, nos termos da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

1º O contrato de gestão para ocupação de imóveis públicos consiste na prestação, em um único contrato, de serviços de gerenciamento e manutenção de imóvel, incluído o fornecimento dos equipamentos, materiais e outros serviços necessários ao uso do imóvel pela administração pública, por escopo ou continuados.

2º O contrato de gestão para ocupação de imóveis públicos poderá:

I – incluir a realização de obras para adequação do imóvel, inclusive a elaboração dos projetos básico e executivo; e

II – ter prazo de duração de até 20 (vinte) anos, quando incluir investimentos iniciais relacionados à realização de obras e o fornecimento de bens.

3º (VETADO).

4º Na hipótese de que trata o § 2º deste artigo, as obras e os bens disponibilizados serão de propriedade do contratante.

§ 5º Ato do Poder Executivo poderá regulamentar o disposto neste artigo.

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Fonte da imagem: Wikipedia